Retalhos

"Posso não concordar com uma só palavra que disseres, mas defendo até a morte o teu direito de dizê-las". Voltaire.

sexta-feira, março 30, 2007

A propósito dos "grandes" portugueses

HAJA MEMÓRIA


1931
O estudante Branco é morto pela PSP, durante uma manifestação no Porto;


1932
Armando Ramos, jovem, é morto em consequência de espancamentos; Aurélio Dias, fragateiro, é morto após 30 dias de tortura; Alfredo Ruas, é assassinado a tiro durante uma manifestação em Lisboa;


1934, 18 de Janeiro
Américo Gomes, operário, morre em Peniche após dois meses de tortura; Manuel Vieira Tomé, sindicalista ferroviário morre durante a tortura em consequência da repressão da greve; Júlio Pinto, operário vidreiro, morto à pancada; a PSP mata um operário conserveiro durante a repressão de uma greve em Setúbal


1935
Ferreira de Abreu, dirigente da organização juvenil do PCP, morre no hospital após ter sido espancado na sede da PIDE (então PVDE);


1936
Francisco Cruz, operário da Marinha Grande, morre na Fortaleza de Angra do Heroísmo, vítima de maus tratos, é deportado do 18 de Janeiro de 1934; Manuel Pestana Garcez, trabalhador, é morto durante a tortura;


1937
Ernesto Faustino, operário; José Lopes, operário anarquista, morre durante a tortura, sendo um dos presos da onda de repressão que se seguiu ao atentado a Salazar; Manuel Salgueiro Valente, tenente-coronel, morre em condições suspeitas no forte de Caxias; Augusto Costa, operário da Marinha Grande, Rafael Tobias Pinto da Silva, de Lisboa, Francisco Domingues Quintas, de Gaia, Francisco Manuel Pereira, marinheiro de Lisboa, Pedro Matos Filipe, de Almada e Cândido Alves Barja, marinheiro, de Castro Verde, morrem no espaço de quatro dias no Tarrafal, vítimas das febres e dos maus tratos; Augusto Almeida Martins, operário, é assassinado na sede da PIDE (PVDE) durante a tortura ; Abílio Augusto Belchior, operário do Porto, morre no Tarrafal, vítima das febres e dos maus tratos;


1938
António Mano Fernandes, estudante de Coimbra, morre no Forte de Peniche, por lhe ter sido recusada assistência médica, sofria de doença cardíaca; Rui Ricardo da Silva, operário do Arsenal, morre no Aljube, devido a tuberculose contraída em consequência de espancamento perpetrado por seis agentes da Pide durante oito horas; Arnaldo Simões Januário, dirigente anarco-sindicalista, morre no campo do Tarrafal, vítima de maus tratos; Francisco Esteves, operário torneiro de Lisboa, morre na tortura na sede da PIDE; Alfredo Caldeira, pintor, dirigente do PCP, morre no Tarrafal após lenta agonia sem assistência médica;


1939
Fernando Alcobia, morre no Tarrafal, vítima de doença e de maus tratos;


1940
Jaime Fonseca de Sousa, morre no Tarrafal, vítima de maus tratos; Albino Coelho, morre também no Tarrafal; Mário Castelhano, dirigente anarco-sindicalista, morre sem assistência médica no Tarrafal;


1941
Jacinto Faria Vilaça, Casimiro Ferreira; Albino de Carvalho; António Guedes Oliveira e Silva; Ernesto José Ribeiro, operário, e José Lopes Dinis morrem no Tarrafal;


1942
Henrique Domingues Fernandes morre no Tarrafal; Carlos Ferreira Soares, médico, é assassinado no seu consultório com rajadas de metralhadora, os agentes assassinos alegam legítima defesa (?!); Bento António Gonçalves, secretário-geral do P. C. P. Morre no Tarrafal; Damásio Martins Pereira, fragateiro, morre no Tarrafal; Fernando Óscar Gaspar, morre tuberculoso no regresso da deportação; António de Jesus Branco morre no Tarrafal;


1943
Rosa Morgado, camponesa do Ameal (Águeda), e os seus filhos, António, Júlio e Constantina, são mortos a tiro pela GNR; Paulo José Dias morre tuberculoso no Tarrafal; Joaquim Montes morre no Tarrafal com febre biliosa; José Manuel Alves dos Reis morre no Tarrafal; Américo Lourenço Nunes, operário, morre em consequência de espancamento perpetrado durante a repressão da greve de Agosto na região de Lisboa; Francisco do Nascimento Gomes, do Porto, morre no Tarrafal; Francisco dos Reis Gomes, operário da Carris do Porto, é morto durante a tortura;


1944
General José Garcia Godinho morre no Forte da Trafaria, por lhe ser recusado internamento hospitalar; Francisco Ferreira Marques, de Lisboa, militante do PCP, em consequência de espancamento e após mês e meio de incomunicabilidade; Edmundo Gonçalves morre tuberculoso no Tarrafal; assassinados a tiro de metralhadora uma mulher e uma criança, durante a repressão da GNR sobre os camponeses rendeiros da herdade da Goucha (Benavente), mais 40 camponeses são feridos a tiro.


1945
Manuel Augusto da Costa morre no Tarrafal; Germano Vidigal, operário, assassinado com esmagamento dos testículos, depois de três dias de tortura no posto da GNR de Montemor-o-Novo; Alfredo Dinis (Alex), operário e dirigente do PCP, é assassinado a tiro na estrada de Bucelas; José António Companheiro, operário, de Borba, morre de tuberculose em consequência dos maus tratos na prisão;


1946
Manuel Simões Júnior, operário corticeiro, morre de tuberculose após doze anos de prisão e de deportação; Joaquim Correia, operário litógrafo do Porto, é morto por espancamento após quinze meses de prisão;


1947
José Patuleia, assalariado rural de Vila Viçosa, morre durante a tortura na sede da PIDE;


1948
António Lopes de Almeida, operário da Marinha Grande, é morto durante a tortura; Artur de Oliveira morre no Tarrafal; Joaquim Marreiros, marinheiro da Armada, morre no Tarrafal após doze anos de deportação; António Guerra, operário da Marinha Grande, preso desde 18 de Janeiro de 1934, morre quase cego e após doença prolongada;


1950
Militão Bessa Ribeiro, operário e dirigente do PCP, morre na Penitenciária de Lisboa, durante uma greve de fome e após nove meses de incomunicabilidade; José Moreira, operário, assassinado na tortura na sede da PIDE, dois dias após a prisão, o corpo é lançado por uma janela do quarto andar para simular suicídio; Venceslau Ferreira morre em Lisboa após tortura; Alfredo Dias Lima, assalariado rural, é assassinado a tiro pela GNR durante uma manifestação em Alpiarça;


1951
Gervásio da Costa, operário de Fafe, morre vítima de maus tratos na prisão;


1954
Catarina Eufémia, assalariada rural, assassinada a tiro em Baleizão, durante uma greve, grávida e com uma filha nos braços;


1957
Joaquim Lemos Oliveira, barbeiro de Fafe, morre na sede da PIDE no Porto após quinze dias de tortura; Manuel da Silva Júnior, de Viana do Castelo, é morto durante a tortura na sede da PIDE no Porto, sendo o corpo, irreconhecível, enterrado às escondidas num cemitério do Porto; José Centeio, assalariado rural de Alpiarça, é assassinado pela PIDE;


1958
José Adelino dos Santos, assalariado rural, é assassinado a tiro pela GNR, durante uma manifestação em Montemor-o-Novo, vários outros trabalhadores são feridos a tiro; Raul Alves, operário da Póvoa de Santa Iria, após quinze dias de tortura, é lançado por uma janela do quarto andar da sede da PIDE, à sua morte assiste a esposa do embaixador do Brasil;


1961
Cândido Martins Capilé, operário corticeiro, é assassinado a tiro pela GNR durante uma manifestação em Almada; José Dias Coelho, escultor e militante do PCP, é assassinado à queima-roupa numa rua de Lisboa;


1962
António Graciano Adângio e Francisco Madeira, mineiros em Aljustrel, são assassinados a tiro pela GNR; Estêvão Giro, operário de Alcochete, é assassinado a tiro pela PSP durante a manifestação do 1º de Maio em Lisboa;


1963
Agostinho Fineza, operário tipógrafo do Funchal, é assassinado pela PSP, sob a indicação da PIDE, durante uma manifestação em Lisboa;


1964
Francisco Brito, desertor da guerra colonial, é assassinado em Loulé pela GNR; David Almeida Reis, trabalhador, é assassinado por agentes da PIDE durante uma manifestação em Lisboa;


1965
General Humberto Delgado e a sua secretária Arajaryr Campos são assassinados a tiro em Vila Nueva del Fresno (Espanha), os assassinos são o inspector da PIDE Rosa Casaco e o subinspector Agostinho Tienza e o agente Casimiro Monteiro;


1967
Manuel Agostinho Góis, trabalhador agrícola de Cuba, more vítima de tortura na PIDE;


1968
Luís António Firmino, trabalhador de Montemor, morre em Caxias, vítima de maus tratos; Herculano Augusto, trabalhador rural, é morto à pancada no posto da PSP de Lamego por condenar publicamente a guerra colonial; Daniel Teixeira, estudante, morre no Forte de Caxias, em situação de incomunicabilidade, depois de agonizar durante uma noite sem assistência;


1969
Eduardo Mondlane, dirigente da Frelimo, é assassinado através de um atentado organizado pela PIDE;


1972
José António Leitão Ribeiro Santos, estudante de Direito em Lisboa e militante do MRPP, é assassinado a tiro durante uma reunião de apoio à luta do povo vietnamita e contra a repressão, o seu assassino, o agente da PIDE Coelha da Rocha, viria a escapar-se na "fuga-libertação" de Alcoentre, em Junho de 1975;


1973
Amilcar Cabral, dirigente da luta de libertação da Guiné e Cabo Verde, é assassinado por um bando mercenário a soldo da PIDE, chefiado por Alpoim Galvão;


1974, 25 de Abril
Fernando Carvalho Gesteira, de Montalegre, José James Barneto, de Vendas Novas, Fernando Barreiros dos Reis, soldado de Lisboa, e José Guilherme Rego Arruda, estudante dos Açores, são assassinados a tiro pelos pides acoitados na sua sede na Rua António Maria Cardoso, são ainda feridas duas dezenas de pessoas.


A PIDE acaba como começou, assassinando. Aqui não ficam contabilizadas as
inúmeras vítimas anónimas da PIDE, GNR e PSP em outros locais de repressão.


Mais ainda
Podemos referir, duas centenas de homens, mulheres e crianças massacradas a tiro de canhão durante o bombardeamento da cidade do Porto, ordenada pelo coronel Passos e Sousa, na repressão da revolta de 3 de Fevereiro de 1927. Dezenas de mortos na repressão da revolta de 7 de Fevereiro de 1927 em Lisboa, vários deles assassinados por um pelotão de fuzilamento, à ordens do capitão Jorge Botelho Moniz, no Jardim Zoológico.

Dezenas de mortos na repressão da revolta da Madeira, em Abril de 1931, ou outras tantas dezenas na repressão da revolta de 26 de Agosto de 1931. Um número indeterminado de mortos na deportação na Guiné, Timor, Angra e no Cunene. Um número indeterminado de mortos devido à intervenção da força fascista dos "Viriatos" na guerra civil de Espanha e a entrega de fugitivos aos pelotões de fuzilamento franquist as. Deze nas de mortos em São Tomé, na repressão ordenada pelo governador Carlos Gorgulho sobre os trabalhadores que recusaram o trabalho forçado, em Fevereiro de 1953. Muitos milhares de mortos durante as guerras coloniais, vítimas do Exército, da PIDE, da OPVDC, dos "Flechas", etc.

terça-feira, março 27, 2007

Declaração de amor à portuguesa

Olha moça. Pela maneira como as coisas vão, já não se pode dizer que te desdenhe; até porque me lembra perfeitamente de ter gostado de ti. Não és feia nem estúpida e trabalhas bem. E eu próprio – fica sabendo – já estive mais longe de pensar que era capaz de trabalhar bem contigo, se não desquisesses completamente.

MEC

Essa é que é essa...

É dificil a um homem saber o que a mulher quer. Tanto mais, que a própria nem sempre o sabe


Italo Svevo

Logo Existo

Caros visitantes deste blog. Na última quarta-feira passou perto da meia noite um documentário excelente: Chama-se "Logo existo". Sigam o link e procurem arranjar toda a informação relacionada sobre o mesmo. Vale a pena ver

sábado, março 24, 2007

O Mundo como ele é

Nem sempre temos a mesma resposta face as contrariedades do dia-a-dia, dos problemas que enfrentamos lembramo-nos das soluções mas esquecemos as causas e os porquês, das tristezas e alegrias guardamos as imagens das pessoas e não o que fizemos, se estamos acompanhados, lembramo-nos de quem não esta, quando telefonam ou escrevem lembramos quem não telefonou ou escreveu. Nos pormenores procuramos justificações que apagam aquilo que é deveras importante. Se somos pressionados resistimos, se formos atacados resistimos, mas se somos deixados sós, baixamos os braços e esperamos que alguém tenha a tábua da salvação, lembramos quem esteve perto de nós, que nos fez sentir, ver, viver e acreditar que amanha é um novo dia. Como tal valorizem quem está, quem telefona, quem escreve, quem faz por não desaparecer, quem faz por aparecer ainda que tarde, mas é mesmo assim o mundo como ele é.

terça-feira, março 13, 2007

Hoje é o primeiro dia

Citando Sérgio Godinho, “hoje é o primeiro dia, do resto da tua vida”, esta frase bem pode ser o mote que necessitamos para fazer face ás inúmeras adversidades que se registam actualmente. Fala-se muito da recuperação económica, da redução do desemprego, da nova lei sobre a interrupção involuntária da gravidez, do Apito Dourado e por ai fora. Contudo existem outros acontecimentos que vão caindo no esquecimento, como o caso Casa Pia, o caso Esmeralda, que tanto deram que falar, mas na verdade parecem apenas acontecimentos empolados pela comunicação social. È verdade que temos de dar tempo às instancias e aos organismos para que se produzam resultados, mesmo que isso traga custos irrecuperáveis não só às pessoas envolvidas mas também à própria sociedade. Uma das comparações possíveis de fazer, é que na nossa vida pessoal também se sucedem acontecimentos dentro destes parâmetros. Isto é, dificuldades, confusões, intrigas, problemas que se nos dermos conta por vezes nos fazem voltar a ter comportamentos susceptíveis de causar transtorno aqueles que nos rodeiam, fazendo da história e da tradição meros pergaminhos perdidos entre as nossas escolhas. Parece mesmo que cada novo dia é o primeiro do resto das nossas vidas., pois não aprendemos com os erros, sendo que o mais grave é de facto a pouca visão que temos por vezes, de reconhecer algo de diferente que como mudança que é nos trás desconfiança.

segunda-feira, março 12, 2007

Estou feliz

Estou feliz, estou feliz porque os dias são maiores, estou feliz porque o tempo aqueceu, estou feliz porque cheira a Primavera, estou feliz porque me superei a mim próprio, estou feliz porque no fim no túnel afinal existia uma luz, estou feliz porque a felicidade é um estado, e antes que se vá, deixem-me dizer, estou feliz.

sexta-feira, março 09, 2007

Preciso de alguém que queira ir comigo...

http://www.rtp.pt/index.php?article=273978&visual=16&rss=0

terça-feira, março 06, 2007

Uma família feliz

Há qualquer coisa de errado na família. A família não funciona. Sei que, como conservador, deveria defender a família. Mas não consigo. A família é indefensável. É um equívoco. É um efeito de economia. A família está a dar cabo das pessoas. E das famílias. Porque é que as pessoas, só por serem consanguíneas umas das outras, hão-de viver juntas?

As crianças haviam de ser separadas dos pais desde a mais tenra idade. Os próprios haviam de ser separados um do outro desde a mínima ternura. Só assim é que o amor poderia crescer e a família continuar. Há algo de promíscuo na maneira como as famílias vivem. As pessoas vivem umas em cima das outras. São obrigadas a ver o mesmo canal de televisão, a comer o mesmo arroz de polvo, a ouvir as mesmas discussões, a ver os mesmos roupões e até a cheirar o mesmo chulé dos mesmos chinelos anos 40 do avô.

É pouco saudável. Não admira que toda a gente queira bater a asa à primeira oportunidade. À ganância. Para cair noutro ninho, com outro marido e outros filhinhos, mas ainda pior. É por estas e por outras que as famílias se separam cada vez mais - porque não podem viver juntas.
Tenho para mim que o homem, como a mulher, não nasceu para viver em grupo. Uma casa de banho, por exemplo, jamais se deveria partilhar. Não dá jeito. É embaraçoso. Faz prisão de ventre. Defecar é um direito básico, a cujas sequelas atmosféricas ninguém deveria estar sujeito. Sobretudo em casas de banho interiores.

Se se quer conservar a família, é preciso mantê-la afastada. Mesmo contra a vontade. A separação cria saudade. A distância facilita o respeito. Marido e mulher deveriam ser obrigados a convidar-se diariamente para jantar. As refeições obrigatórias sabem sempre mal. O convívio forçado à mesa «Passa a hortaliça, não tires os macacos do nariz» - não é uma prova de amor, é um refeitório de penitenciários.

A partir dos seis ou sete anos, as crianças necessitam de uma casinha própria, onde o acesso de adultos esteja vedado, excepto em casos de incêndio, varíola, consumo comprovado de vodka, etc. Em suma, as crianças precisam de um apartamento separado, onde se possa escrever nas paredes, fazer barulho, torturar animais de estimação, disparar pressões de ar e tudo o mais.
A família ideal é um complexo habitacional com três chaves. Digamos um 2° andar Esquerdo, Frente e Direito. No Esquerdo mora a Mãe. No Frente moram os filhos e a criada. No Direito mora o Pai. Para efeitos de controlo, todos têm a chave uns dos outros, mas só para casos de emergência, porque são todos obrigados a tocar à campainha para entrar. Excepto em casos urgentes de carência de carinho («Ó Pai, está uma bruxa atrás das cortinas») ou de ciúmes («Maria José, Maria José - com quem é que estás a falar?»).

Cada apartamento pode ter apenas uma assoalhada. Mais vale viver em três Tl's separados na Reboleira do que tudo a monte numa enorme casa de família no Estoril.

As pessoas precisam de estar sozinhas, de curtirem e curarem as suas neuras na maior privacidade, de ouvir as músicas de que gostam sem chatear os outros, de se escaparem, de se fazerem caras e rogadas, de receber as pessoas de quem mais ninguém na família gosta. Só separada é que a família pode sobreviver. Contígua mas não comunitária. Adjacente mas não jacente.

Se um casal for impelido, por razões habitacionais, a tocar à porta, a levar flores, a convidar a jantar, a fazer a corte para poderem dormir os dois juntos, o amor pode durar muitíssimo mais. Uma família que tenha três moradas é feliz. Pode escrever cartas, pode trocar postais.
O horror da família é a proximidade. É horrível quando os pais ouvem os filhos a fazer concursos de puns, quando os filhos ouvem os pais a gemer e o colchão a guinchar, os gritos "Não! Não! Sim!" e depois o inevitável chapinhar do bidé. É indecente quando a mulher é obrigada a dormir ao lado de quem quis ainda há pouco esfaquear e que ainda por cima está a ressonar que nem um porco. Cada qual com a sua banda sonora - eis o lema familiar do futuro. O hino quotidiano das famílias portuguesas, que consiste na audição comunitária do barulho do autoclismo não é, nem nunca será, um cimento de solidariedade.

Para uma família ser feliz, é necessário haver sedução. Os filhos têm de ser charmosos para encantar os pais, os pais têm de se esforçar para educar convincentemente os filhos. E marido e mulher, caso queiram permanecer juntos, têm de passar a vida inteira a engatar-se.
O mal da família é a facilidade. É pensar que aquele amor já é assunto arrumado. O segredo é conviver em vez de coabitar. A família feliz constitui-se por vizinhos apaixonados, por condóminos de sangue, por um poligrupo sentimental. As pessoas só estão juntas quando querem estar. Só partilham o que querem partilhar. Passam a vida a entreconvidar-se. Os pais aliciam o filho: «Ouve lá - se nós te comprarmos uma Harley Davidson, não queres ir até ao Jardim Zoológico connosco?» Os filhos dão a volta aos progenitores: «Ó pai, o vídeo está avariado, conta-nos uma história.» O marido alicia a mulher «Vá lá, Maria José - fica comigo hoje à noite. Tenho caviar e champanhe no frigorífico, comprei o compacto do primeiro LP dos Smiths e a empregada mudou hoje os lençóis... e juro que amanhã de manhã eu também me levanto cedo e vou contigo ao oftalmologista...»

Uma família que é obrigada a convencer-se, a seduzir-se, a respeitar-se mutuamente é uma família que pode durar para sempre. Família maçada acaba despedaçada. O mal da família é um problema de má-criação e de falta de respeito. Os familiares mostram-se incapazes de viver com civilidade, gritam, insultam-se, abusam do seu poder.

Se um miúdo, quando leva um estalo, puder fechar-se uma semana no seu apartamento a ouvir heavy metal a altos berros; se uma mulher, quando o marido a chatear, puder puxar da agenda de solteira e passar o resto do dia a fazer telefonemas a ex-namorados; se um marido, maltratado pela mulher, tiver uma sala onde possa receber os amigos, para jogar à lerpa, beber água-pé e visionar videocassetes da Cicciolina, o conflito desagudiza-se naturalmente.
É uma questão puramente arquitectónica. Mais tarde ou mais cedo, como é regra do amor, as saudades superam os ressentimentos e as campainhas começam a tinir. e os "desculpa lá" recomeçam a ressoar. As pazes fazem-se de livre vontade. Os beijinhos dão-se de bom grado. A família reúne-se, no verdadeiro sentido da palavra. E reina a concórdia.

Na versão actual, exceptuando as famílias que vivem em grandes mansões com tantas alas e governantas que os membros só se vêem à hora de jantar, a família portuguesa é um convite à promiscuidade. Os pais reprimem os filhos, querem sempre ver o canal errado, insistem em comer carapaus grelhados, obcecam-se com a conta da luz, não adormecem até chegarem as crianças e por isso dormem pouco e por isso contraem doenças nervosas e por isso culpam os filhos.

Os filhos, por sua vez, são indiferentes ao amor dos pais, ingratos, insolentes, intratáveis, gastadores inveterados e, ainda por cima, profundamente infelizes. Nas situações mais extremas de proximidade familiar, ou seja, nas barracas, os homens batem nas mulheres e acordam as crianças, os avós atam-se aos vãos das portas, os pais violam as filhas, os irmãos disparam caçadeiras contra os pais, os cunhados telefonam para O Crime. E tudo durante a novela, enquanto o cheiro dos rissóis se vai entranhando no terilene dos lençóis.

A família é uma instituição demasiado preciosa para se deixar destruir pela coabitação obrigatória, pela prepotência paterna e pela falta quase absoluta de privacidade. O amor é demasiado raro e difícil para se estar a esbanjar na rotina quotidiana do concubinato. É preciso salvar a família da excessiva familiaridade. A familiaridade, dizem os ingleses, gera o desprezo. O desprezo é fatal. A ansiedade dos filhos por abandonar a tirania do lar paterno é tão grande que os atira para a miséria de constituir novas famílias em quase tudo semelhantes àquela que deixaram. É um circulo vicioso. É um vício circular. Numa concepção anarco-conservadora, que visasse proteger a liberdade dos familiares com vista à perpetuação da família, a felicidade seria uma função simples de poder pagar três rendas de casa. Ou de transformar cada assoalhada num apartamento, ou de desdobrar cada T3 em 3 Ti 's cada uma com a sua muralha, nem que fosse de contraplacado, cada um com a sua chave.

Em última análise, quando não houvesse dinheiro para isso, seria preferível misturar famílias, trocando camas de casa para casa, de modo a separar os casais e os respectivos filhos, num regime de holiday home. A família é uma instituição que corre perigo. Com razão. É uma instituição insuportável. É uma mini-Mafia, com abraços e facadas, lágrimas e jantaradas, com a desvantagem de ser não-lucrativa. É uma pandilha permanentemente com os azeites e os óleos de Fula. É um pandemónio fascistóide. É uma Cosa Nostra que preferíamos fosse Dotra pessoa qualquer.

É preciso avançar para a família do futuro: para as cooperativas sanguíneas, onde cada um tivesse o seu cantinho, onde as crianças se _ considerassem 'adultas' aos 12 anos, os adultos recuperassem a irresponsabilidade da adolescência aos 35 anos e ninguém estivesse com ninguém sem que lhe apetecesse estar.

É preciso reinventar a família como uma comunidade multi-etária de compinchas livres e respeitadores. De modo a mais ninguém poder sujeitar os parentes encarcerados à sua opinião sobre a recandidatura de Mário Soares, ou descascar uma só laranja em frente do televisor, ou despir uma só peúga que fosse, ou cortar as unhas dos pés na presença de menores, ou dar impunemente, em plena sala de estar, no seio da família, um único e preguiçoso pum.
E, em vez de pedir desculpa, sorrir, e pedir que alguém lhe passe a TV Guia.

Miguel Esteves Cardoso