Retalhos

"Posso não concordar com uma só palavra que disseres, mas defendo até a morte o teu direito de dizê-las". Voltaire.

quarta-feira, abril 26, 2006

NOTÍCIA DE PRIMEIRA PÁGINA: ELES ESTÃO TRISTES

Não posso deixar de fazer referência a este post retirado integralmente do blog A Ampola (http://ampola.blogspot.com/)

Francisco Adam, aka Dino dos "Morangos Com Açúcar", não morreu em vão. Graças aos media como o 24 Horas, TV Guia, TV Mais et al, pudemos saber, apenas olhando para as capas, da namorada secreta, da última foto com uma fã, pudemos ver o choro da mãe na capa, os colegas de novela de óculos escuros e ar consternado. Surpreendente, não é? Quem diria que uma mãe estaria "inconsolável" com a perda de um filho num acidente automóvel? Tudo isto é sub-entendido por qualquer um com inteligência superior a uma lagartixa esborrachada. Mas não chega. Era preciso pôr na primeira página. Para muitos verem, comprarem, e dizerem "Ai, coitada da senhora!".Aos que gastaram dinheiro nisso - obrigá-los a ouvir discos do Santana Lopes a fazer covers de SCORPIONS para o resto da eternidade era muito pouco! Idiotas de merda! Necrófilos acéfalos!Como disse nos comentários do Sofá Verde, se um dia o 24 Horas puser na primeira página "EXUMAMOS O CADÁVER DO DINO E NÃO FOMOS APANHADOS", que ninguém se surpreenda!

Ainda Abril - Os Vampiros

No céu cinzento
Sob o astro mudo
Batendo as asas
Pela noite calada
Vem em bandos
Com pés veludo
Chupar o sangue
Fresco da manada

Se alguém se engana

Com seu ar sisudo
E lhes franqueia
As portas à chegada
Eles comem tudo
Eles comem tudo
Eles comem tudo
E não deixam nada

A toda a parte

Chegam os vampiros
Poisam nos prédios
Poisam nas calçadas
Trazem no ventre
Despojos antigos
Mas nada os prende
Às vidas acabadas

São os mordomos

Do universo todo
Senhores à força
Mandadores sem lei
Enchem as tulhas
Bebem vinho novo
Dançam a ronda
No pinhal do rei

Eles comem tudo

Eles comem tudo
Eles comem tudo
E não deixam nada

No chão do medo

Tombam os vencidos
Ouvem-se os gritos
Na noite abafada
Jazem nos fossos
Vítimas dum credo
E não se esgota
O sangue da manada

Se alguém se engana

Com seu ar sisudo
E lhes franqueia
As portas à chegada

Eles comem tudo
Eles comem tudo
Eles comem tudo
E não deixam nada

Eles comem tudo

Eles comem tudo
Eles comem tudo
E não deixam nada

ZECA AFONSO

segunda-feira, abril 24, 2006

A propósito de Abril…

Amigos, estou cansado do nosso formato político. Está esgotado, desacreditado!
Quanto a vocês não sei… EU VOU arregaçar as mangas e… pôr mãos à obra!
Porquê?!
Faço minhas as palavras de Rui Barbosa de Oliveira:

"De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto".

"Eu tenho saudade do que não vivi. Tenho saudade de lugares onde não fui e de pessoas que não conheci. Tenho saudade de uma época que não vivenciei, lembranças de um tempo que mesmo sem fazer parte do meu passado, marcou presença e deixou legado (…) Ah, esse tempo existiu, eu sei. Tempo de carácter, lealdade, escrúpulos. Tempo de verdade, amizade, respeito ao próximo. Amor ao próximo. Tenho saudade do tempo em que a justiça era respeitada porque era acreditada. Acima de tudo. Autoridade máxima do dever. Zeladora dos direitos. Sem vergonha de ser o que é, de apontar o que fosse, desde que fosse o justo, o correcto, o verdadeiro.

A justiça, cega para um dos dois lados, já não é justiça. Cumpre que enxergue por igual à direita e à esquerda.

Saudade da justiça imparcial, exacta, precisa. Que estava ao lado da direita, da esquerda, centro ou fundos. Porque o que faz a justiça é o “ser justo”. Tão simples e tão banal. Tão puro. Saudade da justiça pura, imaculada.

A injustiça, por ínfima que seja a criatura vitimada, revolta-me, transmuda-me, incendeia-me, roubando-me a tranquilidade do coração e a estima pela vida".
Rui Barbosa de Oliveira, político e jurisconsulto brasileiro (1849 - 1923)
João Mourão

Picado pelas Abelhas

Caríssimos companheiros de Tertúlia e outros visitantes deste espaço cibernético,

Deixo-vos aqui uma letra do Jorge Palma que pode muito bem adaptar-se ao 25-A de mil-nove-e-setenta-e-quatro:

Picado pelas Abelhas

Ainda mal o sol nascera
Já a multidão descera à praça principal
Era o grande ajuste de contas
E as pessoas estavam prontas a acabar de vez com o mal
Tinham sido anos a fio
A lutar com a fome e com o frio
Ao som de promessas de pão e de conforto
Agora o povo queria o poder
Já não tinha mais nada a perder
Quando um homem tem vida de cão
Mais lhe vale ser morto

O sangue correu pelo chão
Em nome da revolução e o povo acabou por vencer
Celebrou-se a liberdade
A igualdade e a fraternidade que acabavam de nascer
Mas ao chegar a vez de cada um
Trabalhar para o bem comum
Começaram os dissabores
E em vez de ficarem unidos
Dividiram-se em mil partidos
No fundo, todos queriam ser
Ditadores

E as crianças pareciam feias
No meio de tanta gente velha
Eu ouvi alguém gritar:
"Meu Deus, estou todo picado pelas abelhas!"

Picado pelas abelhas, picado pelas abelhas....

Agora um traficante com ar obsceno
Vende o seu veneno a quem trouxer o dinheiro na mão
E um consumidor diz baixinho que tem falta de carinho
Ao ser arrastado para a prisão
Um vagabundo cheio de aguardente
Diz que o desejo há-de estar presente
Até ao fim da cerimónia
Enquanto um poeta com ar cansado
Diz: "Antes só que mal acompanhado!"
E arranca para mais
Uma noite de insónia

E as crianças pareciam feias
No meio de tanta gente velha
Eu ouvi alguém gritar:
"Meu Deus, estou todo picado pelas abelhas!"
Picado pelas abelhas, picado pelas abelhas...

Coloco algumas questões para reflectir: Que liberdade temos e que liberdade queremos?; Até que ponto as "liberdades colectivas" nos são impostas?; Até que ponto compreendemos que liberdade implica necessariamente responsabilidade? Será que, 'no fundo todos queremos ser ditadores'?

Façam o favor de comentar.

quarta-feira, abril 12, 2006

Recordação "Em Cascata" VI - Poema Simples

Onde estou eu?
Não sei!
Alguém sabe?
Talvez não, pois quem diz
Não sabe o que está a dizer
De mim.
Não conheço,
Assim não desço
Para onde me querem levar.
Não faço nem aconteço
Como muitos parecem querer evidenciar.
Subentender!
O quê?
Alguém me lê?
Ouço coisas.
Leio músicas.
Mais ninguém diz nada.
Agora, o silêncio.
Profundo reflexo
Do cérebro activo
Que não deseja o comprimido.
Estranha liberdade esta.
Estranha corrente cromada.
Brilho escondido
Que não ilumina o nada.
Vamos parar com isto!
Creio que será a altura
De desistir inocentemente Desta realidade demente

Posted by TertulianoPolivalent at fevereiro 27, 2005 12:24 PM
Escrito, oferecido e declamado pelo Professor Sílvio Brito

Recordação "Em Cascata" V - Divisa

Mais importante do que a ciência é o seu resultado
Uma resposta provoca uma centena de perguntas
Mais importante do que a poesia é o seu resultado,
Um poema invoca uma centena de actos heróicos.
Mais importante do que o reconhecimento é o seu resultado,
O resultado é dor e culpa.
Mais importante do que a prociração é a criança.
Mais importante do que a evolução da criação é a evolução do criador.
Em lugar de passos imperativos, o imperador.
Em lugar de passos criativos, o criador.
Um encontro de dois: olhos nos olhos, face a face.
E quando estiveres perto, arrancar-te-ei os olhos e colocá-los-ei no lugar dos meus;
E arrancarei meus olhos
Para colocá-los no lugar dos teus;
Então ver-te-ei com os teus olhos
E tu ver-me-ás com os meus.
Assim, até a coisa comum serve o silêncio
E o nosso encontro permanece a meta sem cadeias:
O lugar indeterminado, num tempo indeterminado,
A palavra indeterminada para o Homem indeterminado.

traduzido de "Einlandung zu einer Begegnung" por J.L. Moreno, pag.3, publicado em Viena,1914
Poema oferecido pelo professor Rego

Recordação "Em Cascata" IV - Como tudo começou...

Como tudo começou...O que começou por ser um jantar de homenagem ao Professor António Rêgo, desaguou numa iniciativa deveras interessante, denominada "Tertúlia das Sextas" (agora aos Sábados). Uma reunião aberta a toda a gente que se realiza no primeiro sábado de cada mês. Um evento diferente para pessoas diferentes, ousadas e, quiçá, desalinhadas. Opina-se, ouve-se, debate-se, propõe-se e o mais que se verá. Venha preparado para mostrar todas as suas potencialidades de académico, humanista e homem-mulher de cultura. Oportunidade para “troca” de publicações, textos, canções e obras de arte. Apresentação e divulgação de trabalhos de autores e actuação de “artistas” presentes (isso já é muita ambição que logo se verá até que ponto é exequivel mas não desisto facilmente). Não é uma "reunião de vaidades nem de apostolados mas sim uma reunião de pessoas que gostam de pensar um pouco sobre coisas da vida, com elevação e tolerância." Como já foi dito, "não há tabu sobre os temas mas são de evitar temas ou assuntos de partidarite política, de religião e de futebol, pela razão única de serem assuntos mais susceptíveis de "paixões" e de discriminar/afastar as pessoas." Habitualmente, os encontros do nosso ilustre grupo ocorrem por volta das 20h (...) e costumam durar até à meia-noite. A legião tertúliana divide a conta e costuma pagar 6 euros por pessoa. Voltaremos a juntar-nos com a certeza firme que a Tertúlia dos Sábados está aí para o que der e vier. Se já teve o privilégio de ser convidado por tão ilustres membros da 'Tertúlia' pense bem no assunto e depois diga que sim.

“O mundo será dos curiosos, dos ligeiramente loucos e daqueles que têm uma paixão insaciada pela aprendizagem e pela temeridade” (Tom Peters)

Recordação "Em Cascata" III - Terceiro Mundo? Nós? Só na cabeça de analfabetos sociais como os jornalistas desportivos ingleses

Terceiro Mundo? Nós? Só na cabeça de analfabetos sociais como os jornalistas desportivos ingleses.A imprensa inglesa diz que somos um país do terceiro mundo mas esqueçem-se os senhores jornalistas ingleses de algumas coisas do seu próprio país que convém citar para não esquecerem: Em primeiro lugar, os ingleses devem uma das melhores formas de educação que usufruem graças aos portugueses, a bebida do chá, introduzida pela rainha Catarina de Bragança que foi rainha deles. Em segundo lugar, grande parte da economia foi suportada por portugueses emigrados que trabalham que nem uns bois para a Inglaterra a fim de ganharem uns míseros tostões para si e darem milhões para que os senhores jornalistas ingleses vivam bem "como ó caraças" na sua pacata ilha. Em terceiro lugar, porque razão é a Inglaterra nossa aliada, sendo considerada esta aliança a mais antiga deste mundo, através da "Carta Mercatória" e pelo "Tratado de Comércio" se nós somos um país do Terceiro Mundo? Em quarto lugar, podemos viver em confusão governativa mas sempre é melhor que viver numa monarquia cheia de pessoas contraditórias à excepção de alguns membros, é claro! Em quinto lugar, porque será que as mulheres inglesas ficam malucas com um macho português? Por alguma coisa será. Em sexto lugar, porque precisam de um treinador português que faz coisas que nunca os treinadores "gágás" ingleses fizeram. Em sétimo lugar porque razão têm os ingleses fascínio por isto vindo cá todos os anos passar férias? Em oitavo lugar, porque precisam de ter um cientista português a trabalhar para eles que pôs em causa a teoria da relatividade? Em nono lugar porque razão importam produtos portugueses? Em décimo lugar, porque razão um dos maiores banqueiros que a City tinha era português que foi preciso mandar matá-lo atirando um barco para cima do seu iate quando dava uma festa? Em décimo primeiro lugar porque razão os portugueses vão a todo o lado e gostam deles, e dos ingleses nem vê-los. Em décimo segundo lugar porque razão os ingleses precisaram dos portugueses para fazerem a sua História? Há muitas outras razões que com todo o prazer poderei revelá-las, mas sermos desorganizados e invejosos uns com os outros é uma coisa, mas agora chamarem-nos de terceiro mundistas só revela uma coisa que esses senhores jornalistas ingleses não sabem. É que os portugueses conhecem o seu país e o dos outros e os senhores jornalistas desportistas ingleses não sabem nada nem dos outros nem do seu país, e mais, precisaram de nós para fazerem notícias, coitados! Pois fiquem sabendo, temos muito orgulho em ser portugueses coisa que os senhores não deverão ter no vosso próprio país, dado que precisam de pessoas do Terceiro Mundo para poder viver. A Bem da Nação!

Posted by TertulianoPolivalent at fevereiro 28, 2005 05:03 PM

Recordação "Em Cascata" II - Cárcere

As noites de solidão sob as estrelas
No vazio do teu quarto
A casa encaixotada
O soalho
E as horríveis linhas paralelas até à parede
O nada absoluto
Que te faz vomitar e te tortura
Nessa letargia de junkie sem tempo
Fora do tempo

Tudo por um grama de pó
Não era isto a revolução
Não era esta a liberdade lisérgica que te estava prometida

E as cinzas vermelhas dos teus olhos
Em contrabando de afectos
Sentindo o vácuo
E o medo de não ter a merda do pó
De acordar sem a merda do pó
Os músculos rígidos
O poderoso nó no estômago
Que te faz saltar as tripas
O medo de não poderes fugir de ti
De não conseguires esquecer esse corpo

Tudo por um grama de pó
Não era isto a revolução
Não era esta a liberdade lisérgica que te estava prometida

Esse corpo que já não serve para nada
Retalhado na sua cosmogonia
Que te tortura na sua inactividade
Que te prende agora ao quotidiano metálico da prisão
Morto nos odores da humidade
Dejecto pútrido
Esperma
Em valsas sonhadas no ressonar da noite de cimento que te envolve.


CÁRCERE - Adolfo Luxúria Canibal / Vasco Vaz

Recordação "Em Cascata" I - Carta de Amor sem grandes regras de ortografia

E eu que não gosto de escrever, e que nunca escrevi cartas de amor, e não é por achá-las ridículas, não me venhas com o teu Fernando para cima da minha pessoa, e olha bem o estado a que eu cheguei, a tentar fazer trocadilhos com coisas que pouca piada têm, e talvez acabe já esta frase, antes que a frase acabe comigo, e vê bem o estado em que eu fico quando escrevo sobre ti, ou sobre mim, ou para ti, e já pareço aqueles escritores de que tanto gostas, analfabetos de primeira apanha, que nunca escrevem «de primeira apanha» por serem gente tão culta, e tão brilhante, e tão diferente, e gente que muito escreve, e escreve sempre tanto, que vírgulas e pontos finais é coisa que não lhes interessa. Vai à merda. Desculpa, estou a ser brusco de mais, ou talvez de menos, e eu só quero acertar - como se costuma dizer - em cheio, bem em cheio na boa merda que tu és. Desculpa outra vez, estou a ser demasiado directo, ou sincero, e tu sempre gostaste de mim mais calmo, ou meigo, ou brando, ou qualquer coisa que assim fosse, nesse meio termo entre o homem e o veludo, e quase me metias num robe e num par de chinelos, a fazer chás de camomila e a prometer-te as Venezas todas deste mundo. Então eu digo, agora digo, tudo aquilo que queria escrever desde o início, não da carta, nada disso, a carta comecei-a agora mesmo, mas desde sempre, que é desde que te foste embora: ainda não sinto a tua falta. É estranho porque continuo a acordar contigo, e não é bem acordar porque pouco durmo, ou quase nada, é mais sentir que ainda aqui estás, que ainda aqui estás exactamente por já não estares, não sei se compreendes, se calhar preferias uma prosa mais arranjadinha, mais poética, talvez mais poética, tu sempre amaste os maricas dos poetas, aqueles que amam e tremem com a caneta e muito pouco com a alma que se gasta e se arruina. Mas digo apenas o que digo. E digo: ainda não sinto a tua falta. Custa entrar nos sítios onde te vi e custa ainda mais ver-te nos sítios onde agora entro, mas sem ti, e tu sempre com outros, que não eu. Não são ciúmes, ou talvez sejam, eu sei lá, talvez tu possas dizer, tu que sabes tudo, e de tudo, e de todos, mas não gosto de te ver onde me vejo também a mim. Só por isso te envio uma lista onde escrevi os hábitos das minhas semanas, e agradecia - até peço por favor - que não estivesses lá quando eu estivesse. Respeitei as sextas e os sábados, porque sei onde tomas café, onde bebes muito, e talvez jantes, não me importa com quem, ou talvez me importe, mas não vale de muito explicar esse muito que me importa, e para mim só deixei os dias da semana, de segunda a quinta, e os horários, e os sítios onde gosto de ir, e espero que aos mesmos não vás, e se quiseres muito ir, vai só depois de eu ter saído, ou antes de eu ter entrado, ou então avisa, eu sei lá. E só de pensar o quanto ainda gostava de estar contigo - Deus me perdoe: diz lá o que é que eu merecia por ser tão estúpido? Precisamente, e o que estás a pensar ainda é pouco: multiplica por dez e acrescenta-lhe outro tanto, e ainda é pouco. Merecia pior, ou melhor, depende do que pensares, e eu, como penso bem as coisas más que tu pensas sobre mim, digo pior, muito pior, e talvez acerte, e acerto mesmo. As saudades aguento-as bem, são coisa pequena e muito minha, tu sabes como é, ou como são, sempre me soube arruinar sem companhia, e sou um homem como os homens devem ser, e não choro por dá cá aquela palha, apesar de não saber por que razão dizemos «dá cá aquela palha». Não preciso que sintas pena, eu é que devia sentir pena de dizer que não sinto a tua falta, mas a falta que tu me fazes. Não é a mesma coisa, tu julgas que é, mas não é: e se fosse, seria alguma tragédia? Não há nada que relembre em ti que ame, que aprecie - quero dizer, mais do que apreciava outrora. Pois bem, a cor dos olhos, querias que eu dissesse alguma coisa sobre eles, não querias? Mas são banais, vulgares, e tão bonitos que eles eram - mas só quando eram meus, minha linda. E os lugares onde estivémos, que eram nossos por neles estarmos e não noutros, são agora vazios, porque sempre cheios de gente, gente que não interessa, por nunca ter interessado tão pouco como agora. E as frases que tu dizias, e eu ficava a pensar que talvez tivesses razão, uma razão muito tua, mas uma razão como outra razão qualquer, e pensava na beleza das palavras que dizias, por não serem minhas, e por sempre ter amado tudo aquilo que é meu e não me pertence. Amo-te como não posso, e a distância é pior do que os amantes que se amam à distância. Talvez sintas alguma coisa, quem sabe uma pontada nas costas, minha jóia, meu amor, minha linda, minha rica, e ainda te ris das coisas que eu escrevo? Devias ter vergonha, não muita, apenas a suficiente para nunca te rires dos teus e dos meus risos, especialmente dos meus, aqueles que um dia me viste rir só para ti. É noite e já pouco digo que valha a pena escutar, ou ler, ou mesmo rasgar. Ainda não sinto a tua falta, juro-te pela minha rica saudinha - e que um camião TIR me leve pela estrada e me ensine a voar pela noite fora. Mas sei que irei sentir. A falta que ainda não sinto é pior do que a falta que chegará por um destes dias. É coisa estranha e melancólica, que se apossessa do corpo numa sinfonia em crescendo - e tu desculpa lá esta última frase, que a copiei sem vergonha de um livro muito mau que tu me deste. Hei-de sentir a tua falta. E antes que ela bata à porta como batem todas as faltas, num choro tão feio e tão chorado a despropósito, espero que tu batas primeiro. E não direi para ser tudo como dantes, mas melhor, ou pior - sim, pior, pior para mim, porque eu até nem me importo de usar robe, e chinelos. E se isso te fizer feliz, muito feliz, mesmo feliz, nadaremos também como peixes numa chávena de chá, assim que a água dos canais nos inunde o quarto a camomila. JOÃO PEREIRA COUTINHO

terça-feira, abril 11, 2006

TERÇA- FEIRA


É terça-feira
e a feira da ladra
abre hoje às cinco
de madrugada
E a rapariga
desce a escada quatro a quatro
vai vender mágoas
ao desbarato
vai vender
juras falsas
amargura
ilusões
trapos e cacos e contradições

É terça-feira
e das cinzas talvez
amanhã que é quarta-feira
haja fogo outra vez
o coração é incapaz de dizer
"tanto faz"
parte p'ra guerra
com os olhos na paz

É terça-feira
e a feira da ladra
quase transborda
de abarrotada

E a rapariga
vende tudo o que trazia
troca a tristeza
pela alegria

E todos querem
regateiam
amarguras
ilusões
trapos e cacos e contradições

É terça-feira
e das cinzas talvez
amanhã que é quarta-feira
haja fogo outra vez
o coração
é incapaz
de dizer
"tanto faz"
parte p'ra guerra
com os olhos na paz

É terça-feira
e a feira da ladra
fica enfim quieta
e abandonada
e a rapariga
deixou no chão um lamento
que se ergue e gira
e roda com o vento
e rodopia
e navega
e joga à cabra-cega
é de nós todos
e a ninguém se entrega

É terça-feira
e das cinzas talvez
amanhã que é quarta-feira
haja fogo outra vez
o coração
é incapaz
de dizer
"tanto faz"
parte p'ra guerra
com os olhos na paz

Sérgio Godinho

Caros Amigos Tertulianos

Já longe me leva a memoria para recordar os primórdios da nossa tradição, juntos e unidos por algo mais forte que a gula e a sede, temos o prazer de partilhar da sabedoria de todos, bebemos nas experiências de terceiros conteúdo para construir os nossos diálogos, com o preceito de adicionar um pouco de nós ás próprias palavras. Se outrora nossas conclusões se afunilavam velozmente e perigosamente, agora somos homens independentes da idade e da inteligência, fornecemos algo de único ás nossas tertúlias, algo que não se vende nem se troca, que podemos dar e podemos tirar, o nosso cunho. A vossa companhia não tem comparação e como não tem preço é sempre o que vale mais.

segunda-feira, abril 10, 2006

Ordem do dia para o dia 6 de maio



Camaradas, fazendo uso do direito que me foi conferido pelos estatutos tertulianos, deixo aqui a minha sugestão para a discussão na próxima tertúlia. Decidi dar-lhe o nome genérico "Males Sociais".

Deixo como inspiração uma bela letra de Sérgio Godinho sobre o tema:

http://natura.di.uminho.pt/~jj/musica/html/godinho-ArmasDoAmor.html

Aguardo o vosso douto contributo e/ou diferimento. Vete-se ou promulgue-se.

PS: Máquina fotográfica? Quem leva?

Ao primeiro sábado do mês...


Contra a estupidez refractária, aos primeiros sábados do mês reunem-se mentes iluminadas e delírios sonhadores. Pensa-se e usa-se habilmente do dom da palavra. 'Brinda-se aos amores com o vinho da casa'...

Doravante, usufruiremos deste espaço cibernético como depósito de reflexões a serem esmiuçadas no encontro seguinte... Usem-no!

sábado, abril 08, 2006

As boas vindas

Pessoal, conforme combinado, façamos deste espaço um bom instrumento de reflexão e convívio. Um abraço a todos os meus amigos tetulianos.
João Mourão